Primeira cavadela, minhoca

Finalmente pôde galgar as escadarias da Assembleia da República como deputado.

Dizem alguns colegas, que deixou na empresa donde veio, que copiou o golpe do Durão Barroso. Candidatou-se à comissão de trabalhadores já sabendo que ia abandoná-la, mas omitindo esse facto, durante a campanha eleitoral, aos trabalhadores da empresa que potencialmente o poderiam eleger.

 

Uma vez eleito, em lugar de justificar a confiança que nele depositaram mais de 800 trabalhadores, saiu, e foi para deputado.

Talvez o tenham ensinado mal ou quiçá tenha percebido erroneamente, mas para ser deputado não precisa de ser anticomunista. Sentados a seu lado estão comunistas e muitos outros lá estiveram e continuarão a estar enquanto neste país houver uma réstia de democracia.

Logo de entrada e para que não fosse o povo ficar com uma errada ideia dos valores que defende, o novel deputado tratou de prestar declarações aos media em que trata logo de mostrar a sua decepção por ter pertencido ao PCP.

Só ficou decepcionado após a queda do muro de Berlim, curioso. Podemos então depreender que o novel deputado gostava mais do PCP na clandestinidade, do PCP que não discutia abertamente as causas da queda do socialismo na URSS, como fez no congresso de Loures, do PCP mais fechado por razões de segurança, do PCP da reforma agrária e do controle operário.

Seria bom que assim fosse, mas não é e disso, logo a seguir, se encarrega o novel deputado de dizer que ficou desapontado pela ortodoxia marxista leninista onde afinal militou, mais ou menos, activamente, menos do que diz nas suas histórias, durante anos.

Mais curiosa ainda a sua afirmação “havia pessoas que eram boas, só que discordavam ou iam embora e deixavam de o ser”. Então já não há pessoas boas, ou só eram boas as que iam embora? Apetece perguntar, depois do imenso funeral de Álvaro Cunhal, que não foi embora, se não era uma pessoa boa? E a votação do Jerónimo de Sousa foi engano dos eleitores que acharam que ele era uma pessoa boa? E aos muitos autarcas eleitos, um pouco por todo o país, pela CDU e que, eleição atrás de eleição, continuam a merecer a confiança das populações, não são pessoas boas? E os intelectuais e artistas que enriquecem as fileiras do PCP, com crédito reconhecido por todos, são pessoas más? O José Saramago, o Modesto Navarro, o Urbano Tavares Rodrigues, o Miguel Urbano Rodrigues, a Alice Vieira e tantos outros vivos, e os outros já infelizmente desaparecidos, Mário Castrim, por exemplo, eram maus?

Talvez agora em convívio diário com os “maus” deputados do PCP possa o novel deputado rever a sua noção de pessoas boas e más. Depois, quando no fim do árduo trabalho parlamentar chegar a casa olhe à sua volta e comece a catalogar “eu sou bom, tu és má, tu és boa, tu és bom”.

Não gostava dos controles das células dentro das empresas. Talvez fosse pela sua inaptidão pelo trabalho em colectivo ou pela sua sede de protagonismo.

Poderia o novel deputado, que não gosta do marxismo leninismo, sentir-se bem no seio de uma organização que privilegia o trabalho colectivo em detrimento da acção individual? Ou, ao invés, poderia uma organização caracterizada fundamentalmente pelo trabalho colectivo dos seus membros, reconhecida pelas grandes iniciativas que leva a cabo - Festa do Avante, um caso claro, sentir-se bem com um membro individualista no seu seio?

Falta agora ver como se comportará o novel deputado com um chefe de grupo parlamentar oriundo das alas da UDP, logo do pretensamente mais ortodoxo marxismo leninismo, e que logo nas boas-vindas fez questão de lhe dizer que funcionam em equipa.

Uma característica do novel deputado é a sua adaptabilidade e qualquer sapo será de engolir, desde que a imagem se vá mantendo.

Numa lição de humildade, o novel deputado tratou logo de relembrar aos seus pares que só “tinha a licenciatura da vida”, assim a modos como que questionando se teria capacidades para ocupar o lugar que agora ocupa.

Então por que se candidatou? Se tinha dúvidas sobre a sua capacidade e se candidatou não estaria a defraudar deliberadamente os eleitores? Isso é de pessoa boa ou de pessoa má?

De todos os deputados esperamos que dêem o seu melhor, de um deputado originário da classe operária ainda esperamos que as suas propostas contenham soluções que minorem as agruras da vida por que passam aqueles que ficaram nos seus empregos.

Basta isso, não é necessário ser anticomunista.