Crescer no coração do capitalismo
Apesar dos poderosos meios de que a administração da Autoeuropa dispõe para tentar influenciar os trabalhadores, a célula do Partido está a crescer e a voz dos comunistas é cada vez mais escutada na empresa.
A Autoeuropa dispensa apresentações. É a maior empresa industrial em Portugal, responsável por uma parte considerável das exportações do País. Tudo o que de lá sai, é apresentado como novo: a tecnologia; os métodos de trabalho; as relações entre trabalhadores e patrão – ou, como por lá se diz, entre «colaboradores» e «empregador». Mas, por detrás de tantas «novidades», está a exploração do trabalho, velha de muitos séculos.
A célula do PCP nesta multinacional alemã não tem parado de denunciar esta exploração e o seu agravamento. E, também por isso, tem-se reforçado. Em conversa com elementos do seu Secretariado, ficámos a saber que nos últimos dois anos, o número de militantes comunistas na Autoeuropa mais que duplicou.
Este feito notável ganha uma dimensão ainda maior conhecendo as condições concretas daquela unidade industrial: o trabalho está organizado por linhas de produção, pelo que os operários têm de estar permanentemente no seu posto de trabalho; a pausa para a refeição – almoço ou jantar, dependendo do turno – é apenas de 30 minutos. Como se poderá imaginar, isto dificulta muito o contacto entre os membros do Partido.
O facto de os trabalhadores da Autoeuropa, incluindo os comunistas, viverem em locais muito diversos, também não facilita o encontro. Mas sempre se descobre uma forma de contornar as dificuldades: as reuniões da célula são feitas ao sábado ou, em alguns casos, por turno.
No ano passado, realizou-se a 2.ª assembleia de célula, que elegeu um secretariado de cinco elementos. O balanço destes meses é positivo, garantem os comunistas da empresa: a célula reúne regularmente e o secretariado assume, de facto, o seu papel de direcção. Sempre na perspectiva da defesa dos direitos dos trabalhadores e dos postos de trabalho, garantem.
Alargar a influência
O crescimento do Partido na empresa e da sua influência junto dos trabalhadores não deixou de se reflectir nos resultados obtidos pelas listas unitárias para os órgãos representativos dos trabalhadores. À medida que a célula se foi reforçando, as votações foram melhorando substancialmente.
Nas eleições para a Comissão de Trabalhadores realizadas em 2004, a Lista B obteve 183 votos. Dois anos depois, conseguiu 321 votos. Já em 2008, a Lista B alcançou 549 votos, tendo sido a única a aumentar em termos percentuais.
No comunicado distribuído a seguir às eleições de 27 de Março deste ano, a célula do Partido realçava a importância destes resultados, valorizando que «um número cada vez maior de trabalhadores assimilaram a mensagem pela lista unitária, através do seu lema “Defender e reforçar direitos”». Lembrando, nesse comunicado, que a empresa «procura impor o domínio ideológico e simbólico aos trabalhadores» (ver caixa), o PCP realçava o facto de as eleições terem confirmado também que «um número significativo de trabalhadores não se deixam envolver nesta teia».
O Faísca é voz alternativa
Romper com a «verdade» do patrão
Todos os meses, é distribuído à porta da Autoeuropa o boletim da célula do Partido, O Faísca. Quando é necessário, nomeadamente em momentos de negociação e reivindicação, sai mais do que um número por mês. Nas suas páginas, são tratadas questões internas da empresa e alguns temas de política geral. Desde há dois anos que O Faísca tem uma edição na Internet, em www.ofaisca.org, que conta com mais de 20 mil visitas desde a sua criação.
Os comunistas da Autoeuropa consideram que o boletim da célula está instituído entre os trabalhadores da empresa. E, garantem, é lido até pelos adversários políticos e inimigos de classe. Esta afinidade dos trabalhadores com o boletim tem a ver, antes de mais, com o facto de O Faísca ser, em termos políticos, o único contraponto existente à informação veiculada pela administração da Autoeuropa.
Em Abril deste ano, num comunicado da célula, o PCP acusava a administração de «procurar construir, diariamente, todo o seu edifício de sentido e de domínio ideológico sobre os trabalhadores». A caracterização geral da comunicação da empresa, continua o comunicado, «passa pela tentativa de reconstruir a realidade da exploração, procurando substituí-la por uma “realidade mítica” em que não existem nem exploradores nem explorados».
O objectivo, afirmava a célula, é tornar os trabalhadores mais frágeis à intensificação da exploração, procurando mesmo transformá-los em instrumentos activos mas não conscientes da sua própria exploração».
A empresa edita bimestralmente um jornal interno, totalmente a cores. Nas suas páginas, os trabalhadores ocupam um lugar destacado, quer revelando os «melhores», quer recolhendo opiniões acerca de aspectos a melhorar, quer ainda apresentando alguns aspectos da sua vida fora da empresa e mesmo da vida familiar. A mensagem veiculada acaba por ser simples: os trabalhadores são «colaboradores» que, juntamente com o patronato, formam uma «equipa», uma «família» – a «família Autoeuropa» – unida pelo «interesse comum». É a ilusão da co-gestão.
A competição com outras marcas de automóveis e mesmo dentro do grupo Volkswagen e da própria empresa, entre sectores, é também incutida.
Mas a verdade é outra, bem diferente: o aumento de produção na fábrica em 2007 foi de 14,4 por cento; os lucros da Volkswagen cresceram 40,3 por cento. Mas trabalhadores vêem o seu poder de compra cada vez mais reduzido. N' O Faísca de Janeiro, lia-se em letras gordas: «Perante os bons resultados, exigimos ser compensados!»
Surgido há cerca de dez anos, só mais recentemente se conseguiu estabilizar a edição do boletim. Para os comunistas da Autoeuropa, O Faísca tem contribuído para o reforço da célula, na mesma medida em que este reforço foi determinante para a garantir a sua regularidade.
Mistificações
Presença constante na comunicação social, a realidade da Autoeuropa é muitas vezes apresentada de forma deturpada. Muito se tem falado da existência na empresa de um «banco de horas», semelhante ao que o Governo quer criar com as alterações ao Código do Trabalho.
Acontece que não existe qualquer banco de horas na Autoeuropa. O que existe é, para além dos 23 dias de férias, mais 22 dias em que os trabalhadores ficam em casa (chamados downdays), devido às baixas de produção. Mas esses dias são pagos. Na manifestação de 5 de Junho, os trabalhadores da empresa empunharam uma faixa onde se lia precisamente: «A Autoeuropa não tem um banco de horas!»
Outras das mistificações aponta para a existência de um Acordo de Empresa, o que não corresponde à verdade. O que vigora na empresa é o Contrato Colectivo de Trabalho do sector automóvel. Aumentos salariais e outras questões são acordados aquando da negociação dos cadernos reivindicativos.
Ao contrário do que defende a maioria da CT
Perder direitos não é normal!
Os comunistas da Autoeuropa discordam da postura da actual maioria da Comissão de Trabalhadores. Em sua opinião, esta defende ser necessário perder direitos para, alegadamente, defender os postos de trabalho. Quanto a lutar e resistir, é só ambiguidades...
Outra crítica dos comunistas tem a ver com a tendência dessa maioria de ir ao encontro das intenções da administração: nos processos negociais, começa-se a discutir os cadernos reivindicativos e acaba-se a debater as exigências da administração, pois para a maioria que dirige a CT tudo é negociável, acusam os membros da célula.
Nas negociações do último caderno reivindicativo, utilizaram a mesma argumentação da administração: ou se prescindia de direitos ou o novo modelo não vinha e perdiam-se postos de trabalho.
Confrontados com esta chantagem, os trabalhadores acabaram por aceitar a redução do pagamento do trabalho extraordinário: ao sábado, o trabalho prestado era pago a 200 por cento. Agora, passou para 100 por cento. Quanto ao novo modelo, só chega em 2010. Segundo os membros da célula, os trabalhadores já sabem que, iniciado um processo negocial, acabarão por perder alguma coisa.
Na edição de Março de O Faísca, a célula do Partido afirmava mesmo que «quando uma CT começa a utilizar a linguagem da administração e “transforma” os trabalhadores em “colaboradores”, revela de que lado está». A própria administração não esconde a simpatia com a actual maioria.
Este artigo encontra-se em :